segunda-feira, 25 de junho de 2018

Capítulo 9 - Feliz Navidad

Quarta-feira, 23 de dezembro
Acordei naquela manhã e continuei pensando no hondurenho e também lastimando por não estar no Brasil para curtir as festas de fim de ano. Eu trabalharia normalmente naquele dia e no próximo. Provavelmente passaria a noite de Natal em casa e sozinha, posto que o hondurenho costumava trabalhar durante as noites do meio de semana. Também não é tradição em sua cultura fazer ceia no dia 24, já que os hispânicos costumam dar presentes para as crianças no dia de Reis (6 de janeiro) ou na véspera.
Liguei para o Héctor durante o meu intervalo para o lanche. Fiquei radiante quando ele disse que tiraria folga no dia seguinte para ficar comigo. Maravilha, guardaria para domingo o meu chester, uma vez que nós sairíamos para curtir a noite.

Muitos de nós brasileiros, festeiros por natureza, e que passamos o ano inteiro contando os dias que faltam para as festas de fim de ano, estranhamos que uma véspera de Natal seja quase sem festas e comemorações. O americano celebra no dia 25, com troca de presentes pela manhã e seguido de um almoço familiar e silencioso. Ainda assim a noite do dia 24 é bem agitada por conta dos estrangeiros, porém a ceia poderá ficar um tanto salgada se nos deixarmos levar pela animação, em razão de os preços ficarem acima do normal em restaurantes durante a véspera ou no dia de Natal. Uma atenção maior deve ser dada às gentilezas e oferecimentos dos garçons que, aproveitando a data em que as pessoas ficam mais generosas e desatentas, irão oferecer-lhes os pratos especiais que você só saberá o valor na hora de pagar a conta. É revoltante constatar que aquela comida ou bebida "special", lhe custou três vezes mais que uma do menu convencional.

Com a ajuda do Héctor tive sorte ao conseguir fazer uma reserva um dia antes em um restaurante amplamente conhecido por seu cardápio à brasileira. Lá encontramos pratos tradicionais de nossas ceias brazuca.
Dentro do carro e, antes de iniciarmos o trajeto, eu lhe dei o meu presente de Natal, uma camisa social sport.
— Você pode usar desabotoada sobre sua regata se desejar.
Minha intenção era deixar o seu visual um pouco menos marginal. Pedi que ele experimentasse, pois eu a trocaria caso não servisse. Ele ficou bem desconfortável e recusaria se eu não falasse com jeitinho.
— Experimenta, vai! deixa eu ver se acertei no tamanho. — Ele vestiu.
— Uau! Você ficou muito mais gato ainda.
Após tecer mais elogios, o convenci a continuar vestido, pois ele ameaçou de tirá-la.
No restaurante não caímos no conto do "prato especial", o hondurenho já conhecia o golpe e fez a pergunta tradicional que os garçons detestam: "¿cuanto custa?"
Evidente que recusamos e ficamos com os pratos do menu normal.
A noite foi divertida, fizemos amizade com um grupinho de brasileiros e juntamos as mesas, mas pouco depois da meia noite o Héctor parecia deslocado e ansioso para ir embora. Eu estava à vontade, todavia, também ansiosa para ir, pois queria curtir aquele hondurenho na intimidade de um quarto.

Não fomos para sua casa e, sim, para um motel nas proximidades de onde estávamos (Miami Beach). Onde dormiríamos não me incomodava, só queria estar com ele e poder transar a noite toda sem tréguas.
No entanto não rolou conforme as minhas expectativas, a transa natalina nem de longe chegou próximo à nossa primeira vez.

Pela manhã, quando fui acordada por ele, passava pouquinho das 8h e eu ainda estava morrendo de sono, falei que queria dormir mais um pouco. Ele disse que o chamaram e precisava ir trabalhar, eu poderia ficar e pegar um táxi depois. Não gostei da ideia, falei que sairia com ele.
“Caralho”, pensei, quem é que trabalha no dia de Natal? Só os funcionários de serviços essenciais, né? E não era o caso dele. Fiquei extremamente magoada, pois tudo o que eu mais queria era passar o dia em sua companhia, mas não comentei nada, apesar da minha enorme frustração.

O hondurenho deixou-me metros antes da entrada do condomínio; eu ainda me preocupava em não ser vista com ele. Entrei em casa, vesti uma roupinha caseira e fiquei pensando se dormia mais um pouco ou se assava o chester para comer sozinha. Meus pensamentos foram interrompidos pelo som de batidas em minha porta, era o seu Ramon, convidou-me para um almoço de Natal comunitário em seu apartamento. Outros moradores do condomínio participariam e cada um levaria algum tipo de comida. A bebida ficaria por conta do cubano. Vale mencionar que o apartamento do seu Ramon e os outros três que ficam no piso térreo, são muito maiores que os do piso superior. Os de baixo têm quarto, sala, cozinha e banheiro e a área do apto é pelo menos quatro vezes o tamanho do meu minúsculo studio.

Durante o almoço, em meio a um papo informal, o pessoal fez silêncio e voltou a atenção a uma notícia vinda da TV, até aumentaram o volume. Era sobre o assassinato de um comerciante próximo a Downtown (centro de Miami). O crime foi atribuído aos membros da gangue MS-13, a Mara Salvatrucha, provavelmente por uma disputa de poder e território, informou a repórter.
O pessoal à minha volta ficou comentando entre eles sobre o ocorrido. Por duas vezes ouvi “La Mara”, fiquei sabendo que era o apelido do bando. Eu fiquei com medo, mas tentei não demonstrar minhas emoções. As tatuagens que o Héctor ocultava sob as roupas… ele era membro daquela gangue. E o hondurenho não estava sonhando com nenhuma ex de nome Mara naquela manhã em que o danado pulou da cama assustado, ele teve um pesadelo com sua gangue.
— La Mara, além de extorquir os comerciantes, também controlam a distribuição de drogas — disse um homem, morador do condomínio.
— E também são os responsáveis pelo tráfico de mulheres e meninas — discursou o seu Ramon olhando diretamente pra mim.
Fiquei com os meus pensamentos, ainda teria que processar tudo aquilo, o Héctor tinha os seus defeitos, mas não acreditei que fosse um bandido assassino.

Mas esta não foi a única surpresa daquele dia. Ao final da tarde e também final da reunião, eu deixaria as sobras da metade do meu chester que assei e levei para o nosso almoço. Também deixaria a sobra da farofa e salada de maionese que o seu Ramon disse ter adorado. Eu havia deixado as outras metades em minha casa, pois não tinha necessidade de levar tudo, havia abundância de comida no almoço. Estava lavando minhas vasilhas e fiquei sozinha com o meu senhorio, uma vez que todos já haviam saído. O homem aproveitou da privacidade e veio com um papo diferente. A princípio com insinuações dizendo que gostaria de se casar novamente para poder deixar seu patrimônio para alguém quando ele se fosse, já que não tinha ninguém próximo, nem filhos e nem parentes. Na sequência ele passou a fazer comentários mais diretos dizendo que seus sentimentos por mim, a princípio, eram de pai para filha, no entanto, com o passar dos dias ele percebeu que seu sentimento era diferente do amor de um pai. Eu estava sem saber o que responder e o que fazer. Não queria magoá-lo e também não queria despertar nele um sentimento de aversão ou represália a minha não aceitação da sua cantada. Gelei quando ele se aproximou de mim, algo naquele cubano me apavorava e eu não sabia explicar o porquê. Jesus! Salva pelo gongo. Felizmente a Amanda, minha vizinha de andar, apareceu de repente. Ela veio buscar uma travessa que havia esquecido. Aproveitei e fui com ela levando minhas louças ainda com um restinho de espuma de detergente e pingando água pela casa do homem.
— Bom final de Natal seu Ramon. Obrigada pelo convite. Vou descansar, pois amanhã acordo bem cedinho para ir trabalhar — dito isso, saí fora rapidão e subi as escadas ignorando o olhar investigativo que a vizinha lançou em minha direção.

Continua…

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