quarta-feira, 20 de junho de 2018

Capítulo 4 - O Hondurenho

No dia seguinte, segunda-feira, retornei ao condomínio com minhas duas malas e uma mochila. Levei também o dinheiro para o primeiro aluguel e depósito. Não tinha roupa de cama, nem tão pouco de mesa e apenas uma toalha de banho. Dei a grana para o homem, peguei o recibo, as chaves e o ouvi reiterando as normas ditas anteriormente: nada de drogas, festas, animais, som alto, visitas somente durante parte do dia, e mais outros detalhes do dia a dia do condomínio. Credo, quantas regras, acho que quebrarei algumas. Pensei comigo mesma com cara de séria, mas segurando um sorriso.
Minutos depois estava sozinha fazendo uma inspeção em meu novo lar. Era evidente a necessidade de uma faxina geral, porém faria isso somente no dia seguinte. Fiz uma lista das prioridades que compraria para abastecer e equipar a casa. Retornaria ao hotel naquela tarde e dormiria lá, havia pago três diárias e teria até as 11h do dia seguinte para fazer o check-out.

Manhã seguinte (terça-feira)
Retirei meu dinheiro que estava no cofre do hotel e fechei minha conta. Peguei um táxi para Little Havana, seguiria a dica de um vídeo que assisti no YouTube sobre como abrir uma conta bancária nos Estados Unidos. O Carlos também havia sugerido e até recomendou um banco, o Wells Fargo. Fui em uma agência nas proximidades da minha residência. Foi necessário apenas o meu passaporte e um depósito de cinquenta dólares para abrir a conta, no entanto eu deixei quase todo o meu dinheiro depositado e protegido. Recebi um cartão de débito (provisório, o definitivo eu receberia pelos correios) e ganhei algumas folhas de cheque.
Depois de resolvido o lance do banco eu voltei a minha atenção para as compras de emergência, não tinha nada para comer em casa e nem os utensílios mais simples de cozinha tipo: pratos, copos, ou talheres. Faria uma compra pequena, pois voltaria de ônibus; adoro novidades e ainda economizaria uma grana. Também não é tão fácil pegar um táxi, dependendo de onde você está. Aquelas cenas de filmes em New York que a pessoa grita "TÁXI" e meia dúzia deles param ao seu lado, isso é só em filmes. — Ademais, não estava em New York, né? — Em Miami, geralmente você tem que ligar para alguma empresa de táxi ou usar um aplicativo do celular solicitando o serviço. Pensei que talvez eu precisasse comprar um carro para locomover-me com maior facilidade, porém deixaria a compra para um outro momento mais oportuno.
Fiz uma busca no Google e encontrei um supermercado da rede Sedano's nas proximidades; foi onde comprei o necessário para os primeiros dias e num volume viável de carregar nas mãos. Fui embora de ônibus orientada pelo GPS, segundo ele eu desci 1,6 milhas depois, era a parada mais próximo do meu prédio. Caminharia as quatro quadras restantes com as mãos cheias de compras.
Um carro show demais, conversível e branco, veio em sentido contrário e diminuiu a marcha parando ao meu lado. O motorista era um cara próximo dos vinte e cinco anos, pardo de aparência latina. Perguntou se eu queria ajuda com as compras. Recusei gentilmente e falei que já estava chegando em casa. Continuei andando. A rua era de mão única, assustei quando ele veio de ré e ficou novamente ao meu lado. O cara tinha um jeitão desses membros de gangues de filmes americanos: camiseta regata, várias tatuagens, bigode e cavanhaque bem aparados dando-lhe um visual másculo, porém cafajeste.
— Você é do Brasil? Perguntou enquanto seguia devagar com o carro acompanhando meus passos que ficaram mais rápidos, pois fiquei com medo daquele cara de aparência suspeita. Eu era recém chegada em um país estranho, cultura estranha, ainda estava bem no início da minha adaptação e não sabia em quem confiar.
Respondi que sim e não teria como negar, já que o meu portunhol deixava bem claro.
Eu já havia recusado sua ajuda e carona mais duas vezes quando chegamos na esquina da minha rua. Uma de suas outras perguntas era se eu estava morando em Miami, menti ter vindo com meus pais somente a passeio… entrei à direita… Deus, o cara continuou me seguindo. Eu ainda não estava apavorada, em razão de suas maneiras e palavreado não serem vulgares e nem de fazer o tipo bandido. Seu papo era educado — pelo menos ele se esforçava em sê-lo — e fazia convites para irmos tomar uma cerveja, um suco ou apenas um café. E se ele fosse um psicopata tipo um serial killer? Que medo, pensei.
Felizmente cheguei em meu prédio e avistei o senhorio (o cubano), estava na entrada conversando com outro homem. Ele olhou sério para o cara do carro, ele por sua vez fez um gesto tipo quem bate continência e disse:
— Buenas tardes, Ramon! — e acelerou o carro saindo fora.
O senhor Ramon (o cubano) nem respondeu ao boa tarde do cara. Perguntou se ele havia me molestado. Respondi que não, só ofereceu ajuda com minhas compras. Deu para perceber que ele conhecia o sujeito do carro e não ia com a cara dele. Pedi licença e fui para dentro, eu não queria saber da vida dos outros, ficaria na minha e de bem com todo mundo dentro do possível.
Meia hora depois estava saindo novamente para ir em outro Sedano's a três quadras de casa, só que do lado contrário ao que tinha ido antes. Compraria água mineral, produtos e material de limpeza. No caminho trombei novamente com o cara tatuado, ele estava ao lado do carrão defronte a um edifício antigo decorado com grafites estilo Hip hop e uma placa fazendo referência a uma academia de defesa pessoal. Era tarde demais para mudar de calçada. Gelei quando ele pegou um papel nas mãos de um garoto que estava ao seu lado e veio em minha direção. Sua abordagem foi simpática e respeitosa, estendeu-me o papel, era um folder relacionado ao estabelecimento e as aulas ministradas. Comentou que era sócio e instrutor naquele negócio e apresentou-se como Héctor Alejandro Gonzáles, hondurenho. A simpatia continuou, ofereceu-me uma semana de aula grátis e insistiu para que eu entrasse, conhecesse o lugar e fizesse a inscrição para a semana free. Falei que estava atrasada e precisava fazer umas compras urgentes. Voltaria com mais tempo em outra hora, prometi.
Arrependi-me de ter comentado sobre as compras, com certeza ele deduziu que eu iria ao supermercado na próxima quadra. O cara não insistiu, disse que aguardaria ansioso a minha visita.

Durante as minhas compras, caminhando pelos corredores do supermercado com a preocupação de não pegar mais do que eu poderia carregar, ao mesmo tempo pensava naquele cara de traços marginais, todavia muito atraente, não que fosse bonito, mas ele tinha uma maneira peculiar de agir e um sex appeal impossível de ignorar.
Eu precisava parar de pensar com o sexo, pois acabava sempre entrando em roubadas. Gostaria de sentir apenas medo e, não, desejos quando antevejo uma situação de risco, e afastar-me do perigo ao invés de pular de cabeça. Seria bom se eu me envolvesse apenas com os caras certos, bonzinhos e que instigassem em mim uma paixão… pensando melhor… acho que isso seria muito chato e muito mais do mesmo. Quero adrenalina, e quanto mais melhor. Alguém dirá: “E quando der errado e o erro for fatal?” Bom… essa possibilidade existe. Só espero já ter dado o meu recado se isso vier a acontecer.
Terminei de fazer minhas compras e senti um cheiro característico de chuva enquanto estava no caixa passando as compras. Fiquei preocupada por estar carregada de mercadorias novamente, apesar de não ter comprado nem a metade do que estava precisando com certa urgência.
Começou a chover forte quando eu tentei sair do mercado, porém nada está tão ruim que não possa piorar; adivinhem quem estava se aproximando defronte a porta de saída do supermarket? Ele, o Héctor Alejandro Gonzáles todo garboso em seu poderoso possante, com a capota fechada naquele momento, evidente. O cara só poderia estar me seguindo e até a natureza estava conspirando contra, pois o tempo estava ótimo com sol brilhando momentos antes quando cheguei e virou em minutos para chuva. A água começou a cair sem dó. Olhei para o céu e estava tudo escuro e o teto baixo, choveria muito, imaginei. Para piorar ainda tinha um vento que incomodava. Fiquei parada próximo à saída do edifício. Deixei as compras no chão já que o peso era demais para os meus braços e mãos. Meu dia havia sido puxado desde a manhã, naquele momento estava cansada ao extremo.
Fiquei sob a marquise do mercado torcendo para a chuva passar logo. Próximo a mim havia outras pessoas na mesma situação, entre elas uma garota parda de aparência latina e de uns vinte anos. Era bonita de rosto, cabelos longos e castanhos, mas desleixada na aparência geral. Bermuda jeans, blusa tomara que caia de um branco encardido e que exibia com nitidez o contorno dos seus seios fartos. Tênis podrinho e aparência de dependente químico (noia). A doida correu debaixo de chuva em direção ao carro do Héctor. Toda oferecida ela o encheu de elogios vulgares dizendo como ele era gostoso na cama e macho de verdade, etc. Todos os mais próximos puderam ouvir a tentativa da garota de fazer o cara se sentir o fodão do pedaço, contudo não deu certo, ele dispensou a oferecida com rispidez e sarcasmo. Disse para ela ir à pé e que um banho de chuva lhe cairia bem no momento. A garota não respondeu, pareceu-me que ela temia o cara, voltou para debaixo da marquise obediente como uma cachorrinha que o dono manda se deitar, mas sua expressão não tinha nada de conformismo e, sim, de revanchismo.
Ele avançou mais uns metros e encostou o carro pertinho de onde eu estava, desceu e veio em minha direção. Disse que a chuva demoraria a passar e ofereceu uma carona. Eu fiquei preocupada, não com o assédio do cara, mas com o olhar ameaçador da outra que foi dispensada. Contudo, se ela achou que eu recusaria a carona por causa de sua intimidação, enganou-se "miga", daí sim que fiz questão de ir com ele só para dar o troco na petulância daquela atrevida.

Disse para o cara que estava mesmo precisando de uma carona, visto que comprei coisas demais para carregar nas mãos. O gato foi gentil levando as minhas compras para dentro do carro, porém algo em mim recomendava cuidado no envolvimento com esse cara, esperava não tratar-se de um psicopata. Ele nem foi insistente, mesmo porque não adiantaria de nada, caso eu não estivesse a fim da carona, pois raramente alguém consegue convencer-me pelo cansaço. Dessa vez fui vencida pelo sentimento de vingança despertado em mim por aquela sonsa abusada, e também pela dose de adrenalina. Eu não consigo resistir a um chamado de perigo que possa envolver prazer.
Durante o trajeto ele foi cavalheiro não fazendo mais nenhum convite para sairmos ou perguntas sobre minha vida, só falou da academia e o que eu aprenderia. A distância era curta e chegamos logo ao meu condomínio. Prometi visitá-lo no dia seguinte para fazer minha inscrição, pois ele havia feito uma explanação legal sobre as aulas ministradas, isso em dois minutos de conversa. Desci, peguei minhas coisas, dei um "hasta mañana" e ele se foi.
Novamente cruzei com o seu Ramon no hall de entrada, ele estava sozinho e falou comigo sobre o cara do carro. Disse que ele é hondurenho (eu já sabia, mas não falei nada) e não é gente boa. Não trabalha, mas está sempre com carros valiosos e na companhia de pessoas envolvidas em gangues e coisas ilegais. Muitas das tatuagens em seu corpo são típicas de detentos em presídios.
— Manténgase alejado de él, niña, tenga cuidado. — Em português claro ele quis dizer: "Sai fora ou você estará entrando em uma roubada, garota."
Aceitei sua ajuda para levar os bagulhos escada acima, falei que ainda precisava comprar muita miudeza para a casa. Ele sugeriu o Walmart, pois lá eu encontraria de tudo para equipar uma casa.
Mais tarde, durante minha faxina, fiquei pensando: será apenas fachada a academia do Héctor? Ou o cubano está exagerando na dose por não gostar do hondurenho? Decidiria até o dia seguinte se faria a minha inscrição. Aprender a me defender seria uma boa ideia no momento, pois têm muitos caras e algumas minas folgadas que merecem umas porradas.

Continua…

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