terça-feira, 28 de abril de 2020

Reencontro Sinistro

A balada mais agitada daquele dia era uma festa de casamento. A jovem de aparência adolescente, apesar de ser adulta na idade, era recém chegada àquela cidade interiorana. Investiu em um look festa e usou seu charme para entrar sem convite. De imediato interessou-se por um homem próximo dos quarenta e aliança na mão esquerda. Era o tipo proibido pra ela. O cara maduro correspondeu ao olhar provocador da garota de cabelos escuros e repicados que caminhava em sua direção. Ele gostou da franja desalinhada que dava à moça um ar juvenil, contudo, contrastava com as sobrancelhas cheias, de traços grossos que deixava seu olhar sensual. O conjunto realçava a beleza natural do seu rosto.
Oi, moço! Onde você conseguiu champagne?
— É vinho branco — ele respondeu com simpatia.
— Posso dar um gole para descobrir os seus segredos?
— Acho que você se assustaria com eles, anjo.
— Nossa! Você me excitou. Agora sim que eu quero provar.
Ele não evitou que ela pegasse a taça de sua mão. A jovem olhou marotamente para o homem maduro ao mesmo tempo em que sorvia um pequeno gole da bebida. Ela deu outro gole.
— E aí…
— Nicole — disse ela prontamente — e você é o…
— Henrique, prazer!
— O prazer é meu.
— E aí, Nicole — perguntou ele dando sinal de que se divertia com a situação —, o que você descobriu sobre mim?
— Descobri que você quer me comer agora, e eu já estou umedecida e pronta.
— Hahaha, você é bem direta.
— Vamos achar um canto divertido? — disse Nicole.
— Como assim, canto divertido?
Ela explicou que “canto divertido” era qualquer cantinho, escondido ou não, que possibilitaria uma transa rapidinha.
— Você além de linda também é muito engraçada, Nicole.
— Tô falando sério, Hen-ri-que. Que tal dentro do seu carro? O estacionamento é escurinho.
— Não vim de carro, moro nas proximidades.
— Ótimo, vamos pra sua casa.
— Menina, você é bem doidinha, mas é uma graça, gosto disso. Infelizmente a patroa está vindo aí — disse ele reduzindo o sorriso e dando um leve toque de cabeça em direção à mulher que se aproximava com cara de poucos amigos.
A esposa percebeu que ali rolava um clima. Com antipatia ela puxou o marido pela mão dizendo que era hora das fotos.
— Seu copo, Henrique — disse perversamente a jovem esticando o braço.
A mulher lançou um olhar de ódio em direção à moça que tinha idade para ser sua filha. O homem disse pra ela ficar com a taça, pediu licença e se pôs a caminhar ao lado da esposa que o interpelava.
A moça balançou a cabeça negativamente enquanto observava o casal se afastando. Reforçou sua convicção de nunca ingressar em um relacionamento estável, por considerá-lo tedioso e incapaz de lhe proporcionar prazer. O que mexe com sua libido tornando incontrolável seu desejo é a possibilidade de praticar relações sexuais casuais com pessoas estranhas. E melhor ainda se for num local considerado socialmente inadmissível. E mesmo estando ciente de que essas aventuras colocam sua segurança em risco, ainda assim continua quebrando regras e violando leis apenas com o objetivo de consumar o ato sexual com os seus alvos escolhidos ao acaso. “O perigo é um tempero adicional ao prazer.” Ela repetia toda vez que pessoas próximas a alertavam.

Minutos mais tarde ela abordou novamente o homem ao vê-lo sem a mulher e na companhia de dois senhores.
— Poderia vir comigo um minuto, por favor?
Os homens se entreolharam como se os outros dois já soubessem do ocorrido anteriormente.
— O que você está tramando, menina?
— Achei o “canto divertido”. Vem comigo rapidão que não vai se arrepender — disse ela dando uma piscadinha e o chamando com o dedo indicador.
— Hoje alguém vai dormir no sofá — zoou um dos homens.
— Nicole, Nicole, espero que não complique a minha vida.
— Vem, “homi”, estamos perdendo tempo.
Ele foi com a moça, olhou ao redor com preocupação à procura da mulher. Saíram por uma porta lateral e adentraram o estacionamento do salão.
— Estou me sentindo um adolescente fazendo travessuras — disse ele.
Furtivamente dirigiram-se para detrás de um dos últimos carros estacionados, um utilitário. Ela tomou a iniciativa de um primeiro beijo rápido. Depois mostrou pra ele um preservativo que tirara da bolsa com antecedência.
— Eu coloco pra você, põe ele pra fora — disse ela e abaixou.
Quando o pênis em fase de ereção ficou livre, ela o abocanhou e o sugou até deixá-lo rígido. Tirou a borrachinha da embalagem, colocou na boca e o transferiu para a genitália masculina desenrolando com os lábios.
— Uau, menina, você é cheia de surpresas.
Ela levantou e deu seu sorriso mais safado. Enfiou as mão por dentro do vestido e tirou a calcinha.
— É a sua vez de me surpreender — disse ela. Deu a calcinha pra ele, virou de costas, levantou o vestido na altura da cintura e apoiou as mãos no para-choque do veículo ficando com o corpo num ângulo de 90 graus.
Ele enfiou a lingerie no bolso do paletó, invadiu o espaço entre as pernas abertas da jovem, segurou seu membro o direcionando na fenda úmida que se oferecia à sua frente. A penetração arrancou o gemidinho da jovem amante, no entanto, foi abafado por uma voz exaltada de mulher que adentrou a área do estacionamento. Era a mulher do Henrique, gritando por ele e acompanhada de outras duas mulheres. O homem mal teve tempo de guardar o pênis ereto dentro da calça, e a moça só baixou o vestido antes de serem avistados pelo trio. Ambos foram vergonhosamente surpreendidos e não tinham um álibi, pois só pensaram no sexo. A dona armou um barraco, começou a agredir a garota, mas foi contida pelo marido que levou uns tapas no lugar dela. A turma do deixa disso chegou, Nicole foi levada para um canto longe da leoa enraivecida, enquanto o Henrique se retirava do salão com sua mulher.
A jovem de atitudes ousadas continuou na festa sem importar-se com os olhares de reprovação e comentários maldosos a seu respeito. Apesar da pouca idade, já estava acostumada, em razão de não considerar-se parte do grupo dos “socialmente corretos”.
O casal discutiu a relação trocando acusações mútuas durante o trajeto até o lar, nenhum dos dois era santo, ambos já pisaram na bola mais de uma vez desde que se uniram pelo matrimônio.
O doutor Henrique tomou um banho e foi para o seu trabalho.

Horas mais tarde chegou ao IML local uma vítima de atropelamento. O médico legista de plantão, doutor Henrique, descansava em outra sala e foi chamado para fazer a necropsia.
Ao remover o lençol que cobria o defunto, sua expressão foi de surpresa seguida de pesar ao reconhecer o corpo inerte sobre a mesa fria… Nicole. O homem acostumado a conviver com a morte ficou abalado por ser alguém que estivera tão próximo a ele horas antes. Acariciou o rosto da jovem, afagou seus cabelos sentindo o afundamento do crânio.
— Quem fez isso com você, anjinho? — conversou ele com o cadáver enquanto a despia.
— Eu vou cuidar de você, Nicole, ninguém mais vai te machucar.
Retirou o vestido de festa: curto, tomara que caia, preto com detalhes prata.
— Caralho! A calcinha.
Esquecera a peça íntima da garota no bolso do seu paletó. Restava-lhe torcer para que a mulher não bisbilhotasse em sua roupa, ou a fogueira da discórdia voltaria a arder em sua casa.
A bainha de renda do vestido estava rasgada, faltava um pedaço de uns vinte centímetros. A segunda e última peça foi o sutiã, também preto e tomara que caia. O legista parou para mirar os seios firmes e parecidos com duas peras enormes. Os acariciou apreciando os traços sedutores da moça.
A expressão serena não remetia a alguém falecido, parecia alguém dormindo um sono tranquilo.
— Ela não vai nos interromper agora, minha princesa — curvou-se sobre o corpo e a beijou demoradamente na boca.
Despiu-se a seguir da calça e cueca, deitou sobre o cadáver, a penetrou e copulou dizendo sacanagens no ouvido dela. Não se preveniu, pois não resistiu ao impulso de gozar injetando seu sêmen nas entranhas da falecida.

O necrófilo acabara de vestir a calça quando um funcionário bateu à porta. Ele o atendeu e o homem entregou-lhe uma garrafa térmica. E sem nenhuma discrição o recém chegado comentou:
— Carne fresca, doutor? — cresceu os olhos sobre a moça nua e avançou uns passos, porém estancou amedrontado.
— Cruz credo, doutor, “que isso”? — falou o homem demonstrando pavor e apontando para o corpo sobre a mesa.
O legista ficou apreensivo sobre a que se referia o funcionário. “Será que deixei algum vestígio?” Pensou, e virou o corpo receoso.
— O defunto sorriu e piscou pra mim, doutor — murmurou incrédulo.
O médico percebeu uma ligeira mudança na expressão da jovem, os olhos entreabertos e um leve sorriso de deleite.
— Acho que ela gostou de você — brincou o legista.
— Deus me livre, doutor — falou o funcionário e fez em nome do pai ao mesmo tempo em que saia a passos largos da sala de necropsia.
O legista trancou a porta.
— Enfim a sós novamente, minha linda. Teremos muito tempo só pra nós dois caso ninguém reclame seu corpo.

Findado seu plantão o médico retornou ao lar, abriu e adentrou com o carro na garagem. De imediato sentiu o ar irrespirável. Manteve a porta da garagem aberta. Notou o som do motor do carro da mulher e ela em seu interior com braços e cabeça sobre o volante. Ele quebrou o vidro da porta do passageiro para entrar no veículo, uma vez que a esposa não respondeu aos seus chamados. O motivo de não responder é porque já estava morta.

Durante a perícia da polícia técnica foi constatado que ela faleceu pela inalação de monóxido de carbono. Havia um afundamento frontal na lataria do Hyundai da mulher, era similar ao de um atropelamento. O perito encontrou um pedaço de tecido preto preso na grade frontal do veículo. Era o pedaço que faltava no vestido da amante cadáver do legista.

Horas antes, quando o casal retornou ao lar após o barraco na festa, o doutor Henrique, minutos depois saiu para o trabalho. Sua mulher imediatamente pôs-se a vasculhar a roupa do marido.
— FILHO DA PUTA! — gritou espumando de raiva quando achou a calcinha de Nicole no bolso do paletó. Tremendo de ódio ela ligou para uma amiga na festa.
— Aquela vadia ainda está aí?


Ao receber a confirmação ela saiu com seu carro e ficou à espreita nas proximidades do salão.

A mulher traída só voltou pra casa duas horas mais tarde. No caminho parou em uma drogaria e comprou um remédio que a acalmasse e fizesse dormir. Engoliu alguns comprimidos pouco depois, já com seu veículo em movimento. A mulher estava visivelmente abalada e sabia que a noite seria difícil. Por pouco não bateu de frente com um ônibus ao invadir a mão contrária. Conseguiu retomar a direção e chegar a salvo em sua residência.

Assim que adentrou a garagem e fechou a porta por meio do controle remoto, ela proferiu palavrões e descontou sua raiva esmurrando o volante como se o aparato representasse o marido traidor. Debruçou-se sobre ele aos prantos e adormeceu com o carro ainda ligado.

Fim

quarta-feira, 22 de abril de 2020

"Amassoterapia"

Estirada na calçada em profundo estado de inconsciência sua mente tentava repassar os últimos acontecimentos. O estrondo da arma de fogo ainda ecoava em seus ouvidos, a dor da queimadura em seu peito remetia ao inferno. “Como ele ficou sabendo?” Questionava-se confusa enquanto sofria da falência de suas atividades físicas aspirando o ar com dificuldade e o expirando como se fosse o suspiro derradeiro.

Voltemos alguns meses, no dia em que Paula conheceu o Gilmar ao trombar com ele. Trombaram os seus carrinhos no supermercado. Depois dos pedidos de desculpas o papo continuou nos corredores, na fila do caixa, durante a carona que ela ganhou — economizando assim o Uber — e também no dia seguinte, uma vez que ela aceitou o convite para jantar com o quarentão. Finalizaram o primeiro encontro amoroso na suíte de um motel. Os momentos vividos foram suficientes para que o técnico em próteses ortopédicas se apaixonasse pela massagista.
Seis semanas e vários encontros depois ela aceitou um dos inúmeros pedidos do Gilmar para juntarem os chinelos debaixo da cama. A jovem mulher acabara de completar 28 anos. Viera do interior há mais de uma década, sozinha e ainda adolescente. Ela esperava não arrepender-se ao tomar esse passo em sua vida: estava abrindo mão de sua independência ao mudar-se para o apartamento dele com o propósito de viver maritalmente com o "gordinho" — assim ela o chamava carinhosamente.

Não demorou muito e o Gilmar, ciumento sem motivos aparentes… até então, deu um jeito de conseguir a transferência da companheira para uma clínica localizada no mesmo prédio em que ele trabalhava, e sem que ela soubesse.
A Paula não teria mais o chopinho das sextas-feiras com as amigas após o trabalho, nem as festinhas mensais dos aniversariantes do mês. “Casamento é fogo.” Pensou ela com desânimo.

 Foi nessa mesma época que um jovem empresário do mundo das mídias digitais teve suas pernas amputadas na altura dos joelhos, após serem esmagadas em um acidente com seu jatinho particular, o qual ele mesmo pilotava. Depois da cicatrização ele sentia dores e incômodo na região amputada. Seu médico indicou uma clínica de massoterapia e a Paula foi designada para atendê-lo em domicílio com sessões diárias de massagens que lhe ajudariam a devolver a sensibilidade, além de proporcionar conforto. Na primeira sessão ele estava revoltado com a vida e odiando a tudo e a todos. Contudo ele mudou sua atitude da água para o vinho ao final da primeira semana. Aconteceu a química entre a massagista atraente e o cliente irritado, porém sedutor. A moça passava profissionalismo, suas roupas eram adequadas e suas atitudes corretas, ainda assim o clima rolou bem naturalmente e carícias foram trocadas. O humor do jovem cadeirante já não parecia mais o de alguém que passou por um trágico acidente.
Nas sessões seguintes a porta do quarto passou a ser trancada. A disposição física do jovem fluía principalmente nos momentos de massagem íntima quando a profissional nua em pelo deslizava as partes íntimas do seu corpo massageando as partes amputadas do paciente, igualmente nu. As outras partes masculinas recebiam igual ou mais carinho. O homem retribuía as carícias com a mesma atenção e eficácia.

O tempo da terapia fora ampliado. O casal passava esse tempo extra na cama, isso foi a princípio, contudo, inovações foram surgindo: passaram a utilizar a maca e também a cadeira de rodas em suas brincadeiras sexuais. Os momentos de pegação prolongavam-se no banheiro, sobre a cadeira de banho, no momento da ducha para eliminação das provas do crime (odores e vestígios).

Mas nem toda alegria é eterna. O Gilmar foi o técnico indicado para iniciar o procedimento de avaliação e execução com o propósito de produzir pernas mecânicas para o empresário. Por conseguinte, depois de agendar visitas, ele também passou a frequentar a residência do "comandante", era assim que a Paula informalmente o identificava.

Dias passaram. Durante uma sessão de massagens e sacanagens em uma tarde qualquer, soou a campainha do apartamento. A cuidadora do empresário havia aproveitado a presença da massagista e saiu para fazer compras.
O casal de amantes estava em pleno ato sexual. A moça assustada congelou seus movimentos e permaneceu sentada de pernas abertas sobre seu parceiro na cadeira de rodas.
— Quem será? — questionou ela aflita.
— Calma, deve ser o zelador com alguma correspondência.
Ela saiu de cima dele e pegou sua calcinha e sutiã. Foram vestidos em tempo recorde. A campainha soou novamente.
— Talvez a Júlia tenha esquecido as chaves. Você pode ir lá ver, por favor, eu preciso me recompor — disse ele e sorriu apontando para o volume de sua genitália coberta por uma toalha.
— Oh Deus! Estou com um mal pressentimento — ela choramingou.
Já completamente vestida a moça passou as mãos ajeitando os cabelos soltos e levemente bagunçados.
— Como estou? — perguntou pra ele e fez uma expressão de indecisa, depois deu uma volta no próprio eixo.
— Está perfeita e linda. Corre lá, por favor!
Ao abrir a porta as suas pernas bambearam, era o Gilmar.
— Que foi, por que tá assustada, tava fazendo algo errado?
— Para, Gil! Já vai começar de novo?
As cenas de ciúmes passaram a ser diárias nas últimas semanas. A relação entre eles esfriara, mas isso começou antes da Paula envolver-se com o comandante, seu companheiro ciumento a estava sufocando com sua proximidade constante e marcação cerrada.
— Que é isso — advertiu ele apontando para os cabelos dela e fazendo expressão de descaso —, onde está o profissionalismo?
Seus cabelos longos, sempre bem cuidados e presos em forma de coque durante o trabalho, estavam completamente soltos. O desarranjo lhe dava uma aparência sensual, o que deve ter irritado ainda mais o Gilmar.
— Para, Gil! Ele soltou enquanto trabalhava e não arrumei porque tinha óleo nas mãos.
O dono da casa percebeu que o casal discutia a relação, apesar de falarem quase sussurrando. Ele adentrou a sala montado em sua cadeira de rodas e já vestido de bermuda e camiseta.
Ao ser questionado sobre o motivo da visita o Gilmar disse ter se enganado com o dia agendado. Pediu desculpas e retirou-se na companhia da Paula, pois já havia estourado o horário normal da terapia e a cuidadora Júlia acabara de retornar. Eles continuaram com o bate-boca dentro do elevador.
A Paula teria que ficar esperta, pois o “esposo” tinha passe livre na portaria do prédio e poderia tramar novas surpresas. Talvez tivesse se dirigido diretamente ao quarto caso a cuidadora estivesse no apartamento. A porta trancada e a demora em ser aberta seria uma evidência do “crime” de adultério.

Os dias seguiram, a moça tomou cuidado com os horários e evidências para não causar mais desconfiança. Não adiantou, o Gilmar continuava cismado e mexeu seus pauzinhos tentando tirar aquele cliente da Paula. Todavia não conseguiu, o empresário não aceitava uma mudança de profissional. O cliente tem sempre razão, né? Só restou ao companheiro corno ficar mais desconfiado.

Fim de tarde de um domingo. O Gilmar embarcaria em um avião para Buenos Aires naquela noite. Participaria de um treinamento técnico anual.
Manhã seguinte, segunda-feira. Após ter passado a noite na cama com o comandante, Paula havia saído do edifício e caminhava pensativa em direção à estação Vila Mariana do Metrô. Ela amadurecia a ideia de sair da casa do Gilmar e tirar o ciumento de vez da sua vida. Talvez voltasse a morar com suas duas amigas no mesmo apartamento de outrora. Distraída não deu importância a um carro cinza de vidros escuros que parou junto ao meio-fio logo à frente. No instante em que passou ao lado do veículo, o vidro foi baixado e o motorista a chamou pelo nome. Ela estremeceu ao reconhecer a voz áspera, virou rapidamente o corpo e gelou ao identificar a pessoa ao volante… Era o Gilmar lhe apontando um revólver.
— Vagabunda, puta de aleijado! — vociferou o homem entre dentes e atirou três vezes no peito dela. E saiu a milhão antes que algum dos poucos transeuntes desse conta do ocorrido.

Minutos mais tarde, caminhando pelo parque do Ibirapuera, Gilmar ouviu pela última vez a mensagem de voz que fora enviada por engano para o seu celular no início da última noite:
“Oi amor! Só pra avisar que tô indo, ok? O gordinho já está no aeroporto. A noite é nossa, comandante. Beeeeijo, té já!”
Tomado pelo ódio ele atirou o aparelho no meio do lago, deu meia volta e saiu caminhando cabisbaixo com os olhos marejados.

Fim