quinta-feira, 12 de julho de 2018

26 Final - Hasta La Vista, Baby

Após sobrevivermos aos bandidos que nos sequestraram, escravizaram e quase nos mataram, era hora de interceder pelo Héctor e também por nós para que não fossemos presos. 

Olhei para o Carlos implorando para não levá-lo:
— Ele arriscou a própria vida para nos salvar, do contrário estaríamos mortas.
Também pedi a piedade do Xavier junto com a Jasmim, ela clamou pelo amor de Deus para deixar-nos ir. A amiga ainda tinha o fato de estar ilegalmente no país, seu visto vencera há muitos meses.
 
Depois de pensar um pouco e olhar para o companheiro, o Carlos falou olhando para o homem que apertava carinhosa e nervosamente as minhas mãos.
— Se você passar pela porta conosco eu não poderei fazer nada por você e nem pelas moças, elas dificilmente escaparão da acusação de prostituição, visto que já praticavam por livre arbítrio anteriormente a esta ocorrência.
A conversa foi interrompida pelo aparelho comunicador do policial. Ele respondeu ao seu superior que estava tudo dominado naquele setor. Ao término da comunicação o hondurenho falou:
— Eu sei como desaparecer daqui levando elas comigo sem sermos vistos.
O policial olhou para o seu parceiro como quem pede uma cumplicidade. O Xavier falou com os olhos e uma expressão de rosto característica em algumas pessoas. Deu a entender o seguinte: "você decide companheiro".
O Carlos deixou o coração falar mais alto, o seu colega de serviço e amigo na vida pessoal também.
— Vocês têm dois minutos para sumirem antes da equipe descer aqui — falou o Carlos.
Meu coração ficou radiante de alegria, seria eternamente grata. Aquele gato moreno estaria sempre em meu coração, e não só por este caso em especial, também pelos outros momentos mágicos vividos por nós.
Agradeci aos policiais, em especial ao Carlos, só não sabia ainda como sairíamos dali. O hondurenho falou para o Xavier que precisava do revólver Magnum de um dos bandidos, o mesmo cuja bala o atingiu de raspão. Abriria a fechadura com os disparos da arma. O Xavier hesitou e o Carlos falou: "um minuto e meio". O policial deu a arma para o Héctor, ele deu dois tiros na fechadura. Fiquei surdinha com os estrondos, contudo, feliz ao ver a danada da fechadura ficar em pedaços e a porta escancarada, graças a Deus. No mesmo instante os comunicadores dos policiais "chamaram" novamente.
— VÃO, VÃO, VÃO! Gritaram os dois ao mesmo tempo e antes de atenderem ao chamado.
Eu e a Jasmim jogamos beijos de despedida e saímos correndo atrás do hondurenho. Atravessamos o túnel até sairmos nos fundos de uma residência vizinha ao prédio. Fugimos de um cachorro vigia do local e pulamos uma cerca de tela.
 
Depois de nos afastarmos duas quadras do cabaré Paradise, o Héctor quebrou o vidro dum carro estacionado na rua e fez uma ligação direta. Eu teria ficado muito puta em outra situação, mas naquele instante era um caso de vida ou morte, eu só pensava em sair dali. Seguimos a milhão rumo à residência da Jasmim, ela pegaria seu passaporte e outras coisas.
Lá chegando a ajudei a encher duas malas e saímos fora rapidão, os bandidos deveriam estar atrapalhados com a polícia, mas logo seríamos perseguidos.
Momentos antes, quando ainda estávamos a caminho da casa da amiga, o hondurenho havia ligado para um dos seus parceiros pedindo para dirigir-se até o local. O cara acabara de chegar e trouxe as minhas coisas deixadas na casa do Héctor: mochila com meu passaporte e dinheiro e a mala. O homem já havia antecipado a nossa fuga da cidade. Trocamos de carro com o cara e continuamos em frente.
 
Rodamos por mais de quatro horas até chegarmos ao aeroporto de Tampa (Flórida). A Jasmim pegaria um voo para a casa do seu irmão em Massachusetts. O Héctor recomendou que ela não embarcasse de Miami ou Fort Lauderdale. Preveniu que os chefões mandariam seus capangas procurar-nos nesses aeroportos, rodoviárias e estações de trem daqueles arredores, devido ao grande prejuízo causado por nós em seus negócios. O nosso colega morto revelou para o hondurenho que havia uma grande quantia em dinheiro ilegal escondido naquele porão. Aquele grupo criminoso além de coordenar um esquema de prostituição, também usava a boate para lavagem de dinheiro do narcotráfico. A Jasmim concordou, nos últimos dias nós ficamos sabendo onde havíamos nos metido, não era só prostituição, aquela gente era organizada e perigosa, estavam ligados a tudo de ilegal na Flórida. Ela estava ansiosa para voltar ao seu país (Colômbia), isso aconteceria em dois ou três dias, desabafou.

Depois de abraços, lágrimas e agradecimentos, a amiga foi comprar a sua passagem enquanto eu e o hondurenho seguimos viagem. Ele não havia falado para a garota a respeito do nosso destino (estávamos indo para a Califórnia). Nem eu sabia até então. Prosseguimos rumo a Los Angeles e de lá eu planejaria o meu retorno ao Brasil.

Durante aqueles três dias de viagem, sendo duas noites em motéis, ele pediu muito para eu não partir, poderíamos morar na Califórnia ou algum outro estado e os "donos da noite" nunca nos achariam. Falei que o meu visto venceria logo, não queria ficar ilegal no país e não poder voltar depois. Também precisava resolver umas coisas em minha cidade, tinha um apartamento e uns investimentos bancários que só resolveria estando lá.
— Vem comigo pro Brasil — eu pedi quase como uma súplica.
Ele disse que não poderia. Com certeza seria preso ao tentar sair do país, o homem tinha alguns problemas com a justiça. Além do mais, seria quase impossível ele transferir o seu pequeno patrimônio acumulado ao longo de sete anos nos EUA, para outro país.
 
Ficamos em um impasse. Os dias passaram e nós curtimos cada minuto juntos. Acompanhamos diariamente as notícias sobre a invasão da boate. Além dos membros da gangue que vimos morrer, vários outros foram mortos no confronto. O mexicano e sua mulher foram presos horas depois. Fiquei radiante de alegria ao saber das garotas prisioneiras, todas foram libertadas. Várias delas concordaram em ajudar na identificação dos criminosos e teriam a proteção da justiça para poderem testemunhar contra os mafiosos.

Chegou o dia e hora do meu embarque. Demos um último abraço forte e silencioso durante muitos minutos. Aos prantos ainda consegui prometer que voltaria para ele em breve. Ele, no entanto, não conseguiu dizer mais nada, pela primeira vez o vi ficar emotivo e senti uma pontinha de insegurança naquele machão guerreiro.

***

Dias depois no Brasil, em uma noite de uma quarta-feira sem graça, preparava o meu jantar e ouvia uma rádio de língua espanhola direto de Miami, em um aplicativo de nome “TuneIn”. A rádio em questão era a Actualidad 1040 AM.
Uma notícia sobre o bairro em que morei nos EUA chamou a minha atenção:
"A invasão violenta de um condomínio em Little Havana, Miami, deixou um morto e várias pessoas feridas. A polícia bloqueou as ruas do bairro na tentativa inútil de interceptar os criminosos. O homicídio ocorreu em um condomínio na SW 3nd St com a NW 15th Ave. Homens mascarados invadiram o prédio, espancaram e roubaram os moradores. Um deles foi ferido mortalmente com vários tiros. O morador do apartamento ao lado da vítima fatal, Samuel Hernandes, disse que três homens armados e mascarados renderam o cubano (proprietário e síndico do edifício) quando ele abriu a porta. Provavelmente por ter ouvido um barulho incomum no seu condomínio. Outra moradora de nome Amanda disse que os criminosos fugiram levando dinheiro, joias, celulares e a vida do seu amigo Ramon.
Os bandidos escaparam ao cerco policial, ninguém foi capturado. Segundo os policiais, eram membros do MS-13, a Mara Salvatrucha, uma das gangues que controlam o submundo da Flórida, entre outros estados.".
 
Lembrei da promessa do Héctor de ir atrás do cubano Ramon. Fiquei digerindo a notícia e maldosamente pensei: “Eu sabia que iria sapatear em sua tumba seu coroa FDP.”. Aquele tiozinho não merecia o ar que respirava. Terei uma preocupação a menos quando retornar a Miami para matar a saudade que sinto do meu hondurenho.

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