terça-feira, 10 de julho de 2018

Capítulo 24 - Um Inferno Chamado Paradise

Cabaré Paradise, era o ponto final da rota do nosso sequestro. Aquela casa de entretenimento adulto não tinha nenhuma referência positiva na mídia especializada. Suas instalações eram simples e estava localizada na 18 street no bairro de New Tikal. Apesar de ser um bairro marginal, controlado por uma gangue violenta e afastado da muvuca do grande centro, ainda assim era largamente conhecido e recomendado tanto por locais como por turistas que estavam à procura de diversão sexual e/ou drogas ilícitas. A boate tinha como atração principal um grupo de garçonetes bonitas e cheias de atrativos que exalavam pecado. O clima de sedução e sexualidade explícita no interior daquele comércio ficava evidente ao nos depararmos com as atendentes em seus uniformes compostos por espartilhos e demais roupas íntimas. O conjunto da obra deixava os marmanjos babando. As mesmas atendentes das mesas se revezavam nas cabines reservadas fazendo striptease particular e também praticando sexo — dependia do cliente e até quanto ele estava disposto a pagar.
A maioria esmagadora daquelas garotas, apesar de demonstrarem graça e uma sensualidade natural, eram prisioneiras e obrigadas a se prostituírem para permanecerem vivas e com a esperança de um dia saírem daquele lugar. As restantes eram membros da gangue desde a puberdade e recebiam pelo trabalho de prostitutas e por auxiliarem no controle das prisioneiras.
Mesmo com o entra e sai de homens durante as 24 horas do dia em que funcionava aquele puteiro, a vigilância sobre as meninas era eficiente, além de rigorosa. Tentativas frustradas de fuga e contato com clientes para pedidos de ajuda sempre acabavam mal para a infratora.
Não bastasse os inúmeros seguranças que estavam sempre ligados em tudo, ainda havia câmeras monitoramento a todos no interior do edifício, inclusive as relações sexuais entre as profissionais do sexo e a clientela.

— Essas coisas podem captar até o mais leve gemidinho dessas vadias. Nada escapa do meu espião eletrônico — exageradamente o chefe se gabava do seu sistema de vigilância. Todas nós fomos alertadas sobre a existência e eficácia do aparato e que pagaria caro quem dissesse ou fizesse algo que comprometesse o esquema dos bandidos, inclusive quem alertasse os clientes de que eles estavam em uma espécie de Big Brother.
Era como estar em uma prisão de segurança máxima, as regras eram rígidas e ainda tinha o adicional de punições cruéis. Um sujeito com uma cara demoníaca e que mandava em todos, fez questão de explicar pausadamente o regulamento, isso foi em meu primeiro dia naquele cárcere. Ouvi o alerta em uma de suas reuniões, direcionou o seu olhar ameaçador alternando para cada uma de nós. O seu método de intimidação funcionava, visto que eu fiquei apavorada. Aquele tipo me causava arrepios, ele era do mal. Tinha algo de similar entre ele e o Seu Ramon (meu ex senhorio): olhar frio e duro e o odor que exalava do seu corpo remetia a algo obscuro. As punições impostas por ele eram cruéis para quem se recusasse a trabalhar ou por mau atendimento a clientes. Os espancamentos e humilhações pareciam lhe dar prazer, em conjunto com as torturas psicológicas e ameaças em clima de terror. Drogas injetáveis eram constantemente usadas como recurso no controle das mais agitadas por já estarem psicologicamente perturbadas.

Logo na primeira noite eu e a Jasmim fomos espancadas por aqueles covardes após nos recusarmos a trabalhar de graça como prostitutas. Fomos obrigadas a obedecer para não sermos destroçadas pelos animais.
— Amiga, temos que continuar inteiras e prontas para conseguirmos fugir desse inferno na primeira oportunidade. Tenho certeza que o Héctor aparecerá por aqui a qualquer momento.

A maioria das pessoas não tinha ideia do quão obscuro era aquele lugar, digo isso porque quase diariamente chegavam garotas ao local em busca de trabalho, talvez fossem enganadas pela conversa de um grupo de recrutamento ligados à máfia. Algumas, ainda muito jovens, vinham em busca do primeiro trabalho e caiam no golpe do dinheiro fácil. Não percebiam de imediato tratar-se de uma armadilha. Tudo lhes era cobrado: cama, higiene, alimentação, segurança e outras taxas inventadas pela gerência. Começavam devendo desde o primeiro dia de trabalho e, ao final da semana, ao invés de receberem um pagamento, o que tinham era uma dívida enorme com a casa. Multas eram-lhes aplicadas pelos motivos mais banais e não recebiam pelo trabalho que acabaram de fazer, ou seja, a dívida das garotas virava uma bola de neve que só aumentava as tornando eternas reféns daquela organização criminosa. Quando caía a ficha e a vítima descobria que a oferta de trabalho era um golpe, só restava-lhe o arrependimento por ter procurado emprego naquele lugar, porque desde o primeiro instante no interior daquele inferno, desistir e ir embora não mais seria uma opção, todas caíram em uma arapuca e seriam escravas. Não era o meu caso, vim contra a minha vontade, fui raptada e entregue como prisioneira. Nem um falso cachê eu tinha. Também não tinha um plano de fuga… ainda.

***
 
Um… dois… três… e mais dias se passaram, eu e minha amiga levamos muitas porradas sem motivos, principalmente para acordarmos depois de mínimas horas de sono. Eu sonhava com o Héctor chegando vestido com um casaco preto — tipo o Neo em Matrix — e armado até os dentes. Ele metralhava a todos e me levava em uma moto dourada com rodas em chamas.

Durante cinco dias eu e a colombiana fomos forçadas a atender sexualmente tudo quanto era espécie de homens. Ficamos confinadas num cubículo dividido em três partes por divisórias de madeira, em cada pequeno espaço só cabia uma cama de solteiro. Fui obrigada a transar com dezesseis homens em um único dia, e não tive menos de doze transas em nenhum outro. Aquilo era tipo uma linha de produção de fábrica, os caras pagavam um preço baixo para transarem no cubículo e tinham 45 minutos de programa. Durante o intervalo entre as transas mal dava tempo de ir a um banheirinho imundo e sem janela que ficava no corredor ao lado, minha tentativa de higiene não tinha muito sucesso devido às condições precárias daquele chiqueiro.
Nós ouvíamos muitas gracinhas dos seguranças durante nosso percurso do cubículo ao banheiro, devido às ordens que nos foram dadas de permanecermos nuas o tempo todo. E nem se quiséssemos teríamos o que vestir, os caras se apoderaram de nossas roupas e tudo mais que tínhamos.
Ao raiar do dia éramos trancafiadas em outro quartinho deprimente. As camas eram colchões fedorentos jogados ao chão. Mesmo os odores enjoativos daquele lugar podre não impediam que eu dormisse como uma pedra, era só deitar, fazer uma oração, pois ainda acreditava que o hondurenho viria me salvar e em seguida apagava de tão exausta e fraca que estava.
Os sádicos não nos deixavam ter mais que cinco horas de sono. Nos davam restos para comer e éramos levadas novamente para o cubículo e, sobre aquela cama nojenta, passaríamos as próximas 18 horas deitadas de pernas abertas ou ficando de quatro, essa era a posição preferida da maioria dos tarados que frequentavam o inferninho — acho que é a preferida dos tarados do mundo todo.
Um dos seguranças que nos vigiava se apaixonou pela Jasmim. Nos raros minutos entre um cliente e outro ele trazia algo para comermos e bebermos. A amiga estava completamente frágil emocionalmente, se agarrou ao cara na esperança de conseguir sair dali. Eu incentivei a relação, ele estava sendo útil, mas também por acreditar que o cara poderia contribuir em nossa fuga. Fiquei de vigia algumas vezes para eles darem uns amassos rapidinho e ganhamos a sua confiança. O cara revelou uma particularidade sobre o sistema de câmeras de vigilância: não era exatamente como o chefe descrevia, na verdade, era uma câmera aqui e outra acolá. A câmera do nosso cubículo, por exemplo, nem ligada estava e servia apenas para intimidar, tipo segurança psicológica, disse ele. A verdadeira segurança era feita por homens e mulheres pertencentes à gangue.
Uma outra revelação do nosso novo amigo não foi uma boa notícia, disse ele que o mexicano e sua mulher (os donos da boate) pertenciam a uma seita satânica, onde um dos líderes era um homem de codinome "Cubano". O nome Cubano acendeu um alerta vermelho em meu sistema de sobrevivência. Ele continuou a explanação, e ficaria pior: as garotas capturadas são forçadas a trabalhar como escravas sexuais enquanto derem lucro para a casa, mas a partir do momento em que se transformam em um problema, seja por revolta ou doença, são entregues à seita para serem sacrificadas em rituais macabros.
Jesus, precisava arrumar uma maneira de fugir dali o quanto antes. Mesmo com receio de romper as relações com o nosso aliado, pedi para ele dar um jeito de encontrar o Héctor e contar onde estávamos. Houve um silêncio breve, fiquei com medo da reação do salvadorenho, ele e o hondurenho pertenciam a gangues rivais e eram inimigos mortais que disputavam o controle de territórios e estavam constantemente em guerra.
Eu sentia que o Héctor estava à minha procura, no entanto, ele precisaria ser informado sobre a minha localização para poder dar seu jeito de invadir o território inimigo para me libertar. Aquele homem além de ser um estupendo lutador, também era um guerreiro e astuto.
O segurança disse que nos ajudaria do seu jeito, pois atender a meu pedido seria praticamente impossível. Além do mais, qualquer membro da "Mara" que entrasse no território seria morto, concluiu. Com jeitinho insisti um pouco mais e pedi para ele pensar no assunto com carinho.

Eu já havia falado sobre o hondurenho para a Jasmim, deixei claro que a única chance de sairmos do edifício e do bairro controlado pela gangue seria com a ajuda dele. Ao final do martírio daquele dia, no interior do cubículo fedorento em que dormíamos, novamente falei em seu ouvido, pois tinha receio do monitoramento de nossas conversas. Pedi para se esforçar ao máximo e convencer o salvadorenho a procurar o Héctor de imediato, posto que nosso tempo poderia estar acabando.

Naquela noite a amiga partiu para o ataque, usou todo o seu poder de sedução e romantismo, e como uma fêmea felina fez amor com aquele homem como se fosse a última vez em suas vidas.
Porém, o inesperado aconteceu, fomos surpreendidos por outros seguranças. Ferrou grandão, estávamos completamente fodidas e com nossa chance de fuga de volta à estaca zero. Quatro caras chegaram de surpresa. Eu fui a primeira a entrar na porrada por estar vigiando e sendo conivente. Um outro bateu muito na minha amiga enquanto os outros dois seguraram o salvadorenho adiantando-lhe as penas que poderia sofrer. O covarde que bateu na Jasmim, também deu umas porradas em nosso colega enquanto os outros o seguravam. Os três saíram levando o salvadorenho. Um cara ficou para nos vigiar e rosnando falou que nós tínhamos dois minutos para irmos ao banheiro para limparmos o sangue em nossas bocas e narizes e voltarmos ao trabalho, pois já havia clientes esperando.

Comecei a perder as esperanças de acordar daquele pesadelo.

Continua…

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