sexta-feira, 8 de março de 2019

Parte 11 – Aves de Rapina

Paola acabara de chegar como passageira no Pálio vermelho quando se deparou com o Maciel na companhia de dois jovens do outro lado da via. Os três caminhavam rápido e unidos, praticamente abraçados. Pararam de repente ao lado de um Santana.

A ex não se atentou que o Maciel estava subordinado à condição de refém do jovem casal. Não reconheceu a garota, pois só a viu ocasionalmente no passado. Ademais, Jessie era e continuava sendo uma especialista na arte do disfarce.

Enquanto isso, a motorista do Pálio conduziu o carro para a entrada do estacionamento e não reparou no trio, muito menos na atenção dispensada pela sua passageira. Afinal, ela nem conhecia o ex da colega de trabalho. Mas Paola o conhecia bem, com certeza o homem estaria envolvido em algo ilegal. E quem são esses dois com o Maciel? Pensava enquanto sua colega manobrava o veículo em uma vaga.


O Santana já estava em movimento e ganhando distância quando as duas saíram caminhando do estacionamento. No interior do carro, por detrás do banco, o Pedro em tom ameaçador cutucou as costas do refém com o cano da arma. Disse para não tentar nenhuma gracinha. Jessie estava ao volante e exigia do ex-comparsa o pagamento em dobro do valor conseguido no quarto do industrial no último golpe. Também exigiu em dobro os vinte mil acertados como pagamento para ela roubar o Audi do estacionamento.

— E isso ainda é pouco, por tudo que me fizeram passar. — Soube da pior maneira que o porta-malas estava recheado de dólares, dinheiro não deve ser seu problema no momento, né parceiro?

— Eu não fiquei com nada do maldito dinheiro, Jessie, e ainda quase morri com um tiro enquanto o filho da puta do Nordestino fugia com tudo. — O canalha deu um golpe na gente e sumiu do mapa.

A seguir relatou todo o ocorrido desde quando a apagaram ao sair do estacionamento. Ele tentava convencê-la de ter sido o Rocha (Nordestino) o único traidor, e também o havia ameaçado para tirá-la da jogada. Depois afirmou possuir algum dinheiro em sua casa e daria para ela. Pediu para seguirem pela rodovia Mário Covas rumo ao sul.

— Sem armação, cara, você não mora pro lado de lá.

— Estou morando provisoriamente na casa da minha mãe em Itapema.


A casa ficou abandonada após a mãe do Maciel tomar a decisão de passar uma temporada com a irmã mais velha em Blumenau enquanto o filho estivesse trabalhando em Campinas. 


Ao chegarem na residência ele revelou onde seu dinheiro estava escondido: debaixo da pia. Ao agachar na simulação de pegar, o Pedro encostou a pistola em sua nuca.

— Para aí, você não!— disse o jovem.

A Jessie entendeu a preocupação do parceiro e se antecipou.

— Deixa comigo.

De cócoras ela examinou o local antes de tocar, viu um pacotinho revestido com plástico preto colado na parte inferior da cuba, também uma caixinha plástica com uma abertura lateral. Ela puxou o pacote o descolando, com cuidado tocou o objeto dentro da caixinha, o tirou após identificá-lo pelo tato; era um revólver.

— Muito esperto você, né? — falou Jessie.

O tom dela foi de reprovação ao apontar a arma para o concierge. A expressão dele foi de desânimo por perder a parada, e baixou o olhar demonstrando receio da reação da ex-parceira.

A garota começou a abrir o pacote com extrema cautela, pois poderia ser uma armadilha. Entretanto, continha mesmo o dinheiro, ainda assim Jessie ficou irritada com o valor, considerou pouco os dez mil reais, esperava conseguir muito mais.

— Você só pode estar de sacanagem se acha que acredito que só tem essa merreca.

Ele jurou não possuir mais nada e repetiu a história de não ter ficado com nada do golpe. Também gastou muito para cuidar do ferimento e voltar de forma anônima para Santa Catarina, concluiu.

A moça deu a arma, um revólver calibre 38, para o Pedro, depois prendeu os pulsos do Maciel com uma das abraçadeiras de nylon. Mandou ele se ajoelhar e imobilizou suas pernas dando voltas com a fita adesiva em seus tornozelos. Com uma expressão maligna, ela retirou uma faca de caça de dentro de sua jaqueta e encostou o corte no pescoço do refém. Ele demonstrou medo, mas continuou negando ter mais dinheiro.


Sem alterar a voz, a moça pediu para o rapaz segurar firmemente as mãos do indivíduo sobre um banquinho de madeira. A seguir ela apoiou a ponta da faca no banco e o corte sobre o dedo mínimo da mão direita do homem e falou demonstrando uma pseudo calma:

— Eu não quero me irritar com você e chegar a extremos — diz logo onde está sua grana e também como eu chego até o Nordestino.

A expressão dela mudou de imediato para demoníaca, isso ocorria em circunstâncias especiais, sua maldade assumia o controle a transformando assustadoramente em outra pessoa aparentando curtir o sofrimento alheio. Fulminou seu prisioneiro com um olhar perverso, pois já havia deduzido o que ouviria dele. Apenas esperou a confirmação de suas expectativas.

O ex-comparsa jurou não ter mais dinheiro, e diria, se tivesse qualquer pista de como encontrar o Nordestino.

— Resposta errada — disse sadicamente a carrasca.

No segundo seguinte ela moveu a faca como se fosse uma guilhotina de recortar papel e decepou parte do dedo mindinho dele. O homem berrou de dor e o Pedro largou o cara e perguntou para a Jessie qual era a necessidade de ter feito aquilo.

— Qual é, cara? Tá com dó? Ele ia atirar em nós — você acha que vai conseguir algo desse tipo de gente só com conversa?

— Você está se igualando a eles agindo assim, o que vem depois disso? E até onde pretende chegar? — esbravejou o rapaz.

— Continue fazendo a sua parte segurando esse idiota e verá ele cantar igual um passarinho.

— Tô fora, faz isso sozinha se quiser. Me chama quando terminar.

O rapaz ficou visivelmente contrariado e também preocupado com a transformação ocorrida com a parceira. Saiu para os fundos da casa para recompor as ideias.

Jessie não retrocedeu nem um milímetro, após ficar sozinha com o concierge, postou-se por detrás do homem ajoelhado e ainda choramingando em razão do dedo cortado. Com brutalidade ela segurou a orelha do prisioneiro com uma mão, ao mesmo tempo, a outra movia-se ameaçadoramente empunhando a temível faca de caça.

— Diz logo o que eu quero ouvir, ou depois das orelhas, cortarei algo no meio das suas pernas.

O simples contato da faca superafiada com a pele dele já provocara um sangramento oriundo de um corte inicial. Chorando o homem pediu pelo amor de Deus para ela parar, a seguir revelou onde havia escondido todas suas economias.

— Estão nos fundos falsos das gavetas do gabinete da pia.

Jessie puxou o sujeito pelo colarinho arrastando a bunda dele pelo chão até encostá-lo ao pé de uma mesa antiga feita de madeira maciça. Enrolou a fita adesiva na altura do peito do homem, unindo braços e corpo ao pé da mesa que mais parecia uma tora de tão robusta.

— Fica aí quietinho enquanto dou uma olhada, e é bom estar falando a verdade.


O Nordestino havia chegado na casa noturna quinze minutos após o trio ter partido de lá, localizou a Paola, mostrou rapidamente sua identificação inválida de policial e a fez sair com ele para conversarem. Fez ameaças enquanto mostrava a foto do menino e de sua mãe, tiradas horas atrás. Mentiu sobre um colega estar vigiando a casa, e eles continuariam bem se ela o levasse de imediato até o Maciel. A moça ficou aterrorizada, constatou a veracidade das fotos através das roupas usadas pelo filho e sua mãe naquela tarde.

A stripper era uma das raras pessoas que sabiam do retorno do Maciel, preservou o segredo a pedido dele e só continuou mantendo contato em virtude do filho que os unia.

Chorando falou ter visto seu ex saindo de carro com uma garota e um rapaz há poucos minutos.

— Devem ter ido pra casa da mãe dele, pois seguiram em direção a Itapema.

Tenório segurou firmemente no braço da moça a arrastando.

— Vem comigo! Deixo você e seu pessoal livre quando me mostrar a casa.

Paola prometeu fazer tudo ao seu alcance, e implorou para que não fizessem nenhum mal ao seu filho e sua mãe.


Doze quilômetros depois eles chegaram próximo à residência em Itapema, ela apontou para o imóvel com o Santana de cor vinho estacionado na entrada.

— Lá está a casa, e o carro que ele entrou lá no centro. — Deixa eu ir agora, pelo amor de Deus.

O Nordestino sabia que os capangas a serviço do seu patrão chegariam até a Paola e ela abriria o bico dando a sua descrição. De antemão, também sabia sobre o perigo de deixar evidências.


Passados dez minutos, o Tenório invadiu a casa sorrateiramente. O homem treinado e experiente chegou até a cozinha sem ser notado e surpreendeu Jessie enquanto ela se ocupava em retirar o dinheiro do fundo falso de uma gaveta. Apontou sua arma e mandou ela se afastar da faca e caminhar em sua direção, devagar e sem truques. A jovem foi pega desprevenida, e estando sob a mira de uma arma de fogo, só lhe restou obedecer. Ele a dominou por detrás dando-lhe um mata leão.

— Cadê o outro cara? — questionou o Tenório.

— Cuidado! O moleque está nos fundos com dois revólveres — falou o Maciel na tentativa de agradar e ganhar a confiança do Nordestino para sair-se bem da atual situação.

O Pedro ouviu uma voz diferente vinda da cozinha. Com a pistola em punho ele se aproximou com cautela da porta e apontou para dentro, manteve o corpo parcialmente protegido pela parede ao ver o homem usando a Jessie como escudo e mirando em sua direção.


Continua…



Nenhum comentário:

Postar um comentário