quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Parte 6 – Parceiro de Fuga

Pedro Miguel retornou ao presente após relembrar os momentos trágicos de um passado recente. Ele saiu de Fortaleza há seis meses e chegou em Campinas à procura de trabalho para recomeçar sua vida e ser uma pessoa normal em meio a tantos outros. Porém, convivia diariamente com a sensação de ter policiais no seu encalço, em razão do homicídio cometido contra o padrasto. Sua situação era similar a de um clandestino em um país estrangeiro; a prudência aconselhava manter-se longe da polícia e de problemas.

Sobressaltou-se ao ouvir o toque do seu celular, identificou o número da casa do seu patrão. O homem relatou ter sido interpelado por um cliente via telefone. Era o proprietário de uma Kawasaki azul deixada para conserto na loja. Segundo o cliente, ele foi procurado pela polícia e o acusaram do envolvimento em um acidente na rodovia norte. Ele respondeu aos policiais que deveria ser um engano, em razão de sua moto estar há dois dias em uma oficina mecânica.

— Dois investigadores estão indo aí com ele para examinar a moto. — Também estou indo — disse o chefe.

— Desculpe, seu Nilo, mas a moto não está na oficina... Nem eu.

— O QUEEEE!!! VOCÊ ESTÁ DE BRINCADEIRA?

Jessie saiu do banheiro com água escorrendo pelo corpo. Terminou de enrolar a toalha na altura dos seios diante do rapaz. Ela ficou apreensiva com o desenrolar da conversa. Pedro Miguel tentava se explicar ao seu patrão:

— Eu saí só pra dar uma volta e ver se a máquina estava legal, mas...

Calou-se ao ver o sinal aflito da moça solicitando para parar de falar. Ela apontou para si mesma com o indicador e balançou o dedo em sinal de não enquanto sussurrava:

— Não fale sobre mim e nem do acidente.

— RESPONDE SEU MOLEQUE, ONDE VOCÊ ESTÁ? — QUEM TE DEU AUTORIZAÇÃO PRA SAIR COM A MOTO? — NEM HABILITAÇÃO VOCÊ TEM, SEU RETARDADO — continuou aos berros o homem.

— É NISSO QUE DÁ A GENTE CONFIAR EM MOLEQUES, EU POSSO SER PRESO POR SUA CAUSA — VEM IMEDIATAMENTE PRA CÁ COM ESSA MOTO.

— Estou indo, seu Nilo.

O moço encerrou a ligação e relatou toda a conversa tida com o dono da oficina.

— Vou lá levar a moto antes da polícia chegar, ou será pior. Não posso ser preso.

— Ser preso será o menor dos seus problemas se aqueles caras colocarem as mãos em você — olha como me deixaram.

— Não estou entendendo nada. — De quem você está falando?

— Estou falando de gente perigosa e poderosa, sem a menor preocupação em seguir a lei — falou Jessie preparando o terreno para explicar que ele entrou de graça em uma grande roubada.

— Mas eu nem os conheço e muito menos eles a mim.

— Desculpe, Pedro, tem gente graúda e impiedosa querendo a minha cabeça, e agora também estão atrás de você, já sabem sobre a moto. Esses caras pensam que sei como levá-los a um dinheiro roubado.

— De qual dinheiro você está falando? — E que história louca é essa?

— Acredite em mim, a primeira coisa a fazer é partir imediatamente dessa cidade para continuarmos vivos, e não tenho a menor dúvida sobre isso. — Depois eu prometo lhe contar tudo desde o início — concluiu a moça.

— Tu é louca, garota? — quem é você, afinal de contas? — E o que mais preciso saber antes de resolver se entro nessa ou se acabo de te arrebentar?

— Infelizmente, Pedro, você já está até o pescoço nessa parada sinistra e corre risco de vida se ficar na cidade. Acredite em mim, por favor, é sério. Deixa para brigar comigo quando estivermos em segurança bem longe daqui. Por hora só posso dizer que a sua companhia é muito bem-vinda, pois eu preciso da sua ajuda.

O rapaz fez uma cara de quem estava arrependido de ter levantado da cama naquele dia. "Eu sabia, não devia ter voltado, agora me ferrei de vez”, pensou. Sua situação já era a de fugitivo, agravou ainda mais só por ter ajudado uma moça em perigo. Acabou entrando em uma trama estranha e nem conseguia visualizar o quanto perigoso era. 

— Vou pegar somente o necessário, depois daremos o fora — disse Jessie.

Em seguida ela começou a tirar roupas de gavetas e cabides e colocou sobre a cama.

— Minhas roupas estão na oficina, é onde trabalho e moro de favor. Também não tenho verba para uma parada dessa — disse ele e mostrou os trocados em seu bolso.

— Eu tenho um pouco de dinheiro, dá para nos virarmos por um tempo — disse a moça.

Pegou duas camisetas masculinas de bandas de rock em uma gaveta e entregou ao rapaz.

— Estas servem em você, ficam folgadinhas em mim, uso para dormir.

O jovem vestiu a camiseta preta do AC/DC, ela fazia referência à música highway to hell.

Sua nova companheira de aventura olhou para ele, torceu o nariz com expressão de dúvida e disse:

— Não seria melhor a do Ramones?

— Prefiro essa, tem tudo a ver com o momento — respondeu mal humorado.

Jeasie terminou de encher duas mochilas com roupas e coisas diversas.

— Vamos para a rodoviária agora, faremos algumas compras quando estivermos bem longe da cidade.

— Antes preciso entregar a moto.

— Você não pode dar mole voltando lá, deixa o bagulho em um estacionamento. Após estarmos seguros e longe o suficiente, você liga pro seu chefe e diz onde deixou.


***


Anteriormente, naquele mesmo dia em um hospital


O motorista do caminhão envolvido no acidente estava em um leito hospitalar, acabara de sofrer uma cirurgia em sua perna fraturada. Recebeu a visita de dois homens à paisana, se apresentaram como policiais e queriam um depoimento sobre os detalhes do acidente.

O enfermo começou a contar desde o início, no entanto, o interesse dos homens era em uma pessoa específica, e só manifestaram interesse quando o motorista referiu-se a ela, a garota do hotel:

"... tombei o tronco no banco do passageiro, a minha perna esquerda ficou presa abaixo do volante, tentava alcançar o celular caído no piso da boléia. Ouvi uma freada e fui levantando devagar para pedir ajuda, mas demorei muito por causa da dor. Quando consegui olhar pela janela vi uma moto azul arrancando e cantando pneus com duas pessoas montadas. A garupa era uma moça com pouca roupa e ferimentos pelo corpo. O piloto usava capacete e parecia ser um rapaz".

— Você conseguiu ver a placa?

— Sim, mas só porque achei engraçado.

— E qual foi o motivo da graça?

— Era o apelido da minha filha mais nova e o seu ano de nascimento: Bia 2008.

Os homens agradeceram a colaboração e saíram rapidamente.

— Espera aí gente! Deixa eu contar sobre a explosão e os gritos vindos de dentro do carro.

Os homens nem olharam para trás.


***


Pedro Miguel deixou Jessie na rodoviária de Campinas, depois foi deixar a moto em um estacionamento fora do terminal. Combinaram encontrar-se nos guichês de venda de passagens em vinte minutos.

Ela aproveitou o momento solitário e foi até a área dos guarda-volumes e retirou uma mochila cheia com o seu dinheiro de um locker alugado. A golpista não pretendia voltar para Campinas tão cedo. Também não pretendia deixar seu novo acompanhante ter conhecimento do quanto ela possuía em espécie. O moço ainda estava sob sua análise.


Quando ele voltou disse ter resolvido tudo: deixou a motocicleta a duas quadras de distância e já havia ligado para o patrão dando o endereço.

— Você só pode estar louco. A gente combinou de ligar só quando estivéssemos distante.

— Eu não podia deixar o seu Nilo encrencado mais tempo por minha causa, foi o único que me ajudou quando precisei.

— Algumas horas a mais não fariam diferença, estamos lidando com gente poderosa e não podemos ficar facilitando pros caras — falou a moça tentando conter sua raiva e não ser muito dura com seu salvador.

— Não sou tão lerdo quanto você pensa, eu liguei para a casa dele e deixei recado na secretária eletrônica, só saberá quando voltar da loja… Ou da delegacia.

— Desculpe, não quis dizer isso. — Vamos pegar o primeiro ônibus que estiver saindo, pois estou com a sensação deles terem deduzido que viemos para a rodoviária — disse ela.

Jessie comprou duas passagens para Uberlândia-MG, embarcaram e o ônibus partiu em seguida.


Seus perseguidores tiveram acesso às imagens gravadas do guichê da rodoviária e também das listas de embarque duas horas depois do coletivo partir levando o casal.

A polícia rodoviária interceptou e reteve o ônibus na região de Ribeirão Preto. Com fotos dos procurados em seus celulares — fotos retiradas das câmeras do terminal de Campinas —, os homens começaram a vasculhar o interior do veículo. Dois jovens com as características dos procurados ocupavam os últimos assentos. Os homens da lei sacaram suas armas ao perceberem a atitude suspeita de ambos: o rapaz de jaqueta escura e boné, a moça de moletom com capuz e óculos escuros, apesar de ser noite. Tentavam esconder seus rostos. Os policiais ordenaram que se levantassem devagar com as mãos para o alto.

Ainda sob a mira das armas eles obedeceram as ordens para removerem capuz, óculos e boné. A menina não conteve o choro, viu seu plano de fuga ir por água abaixo, no entanto, eles não eram os procurados, era um casal de adolescentes fugindo dos pais para ficarem juntos. Ela tinha traços orientais, o moço tinha aparência latina. Os pais dela foram irredutíveis a respeito dessa união.

Após o oficial responsável certificar-se que os procurados não estavam no coletivo, ele foi informado pelo motorista que um casal desceu em Limeira. Confirmou ser os mesmos após olhar as fotos.


Logo após descerem em Limeira, Jessie e Pedro Miguel pegaram um táxi para Piracicaba, lá ela fretou outro carro de praça e foram rumo à cidade de São Paulo. Por mais profissionais que fossem os caras em sua captura, a jovem acreditava ter dado um perdido neles.


Primeira noite do jovem casal em São Paulo. A garota conhecia bem a cidade, decidiu por uma hospedagem provisória num motel simples na periferia da zona norte, pois ninguém os localizaria em estabelecimentos daquele tipo.

Saiu do banho vestida com uma camisola de malha leve e curta. Aparentava exaustão, disse sentir dores e precisava dormir um pouco. O quarto simples só tinha uma cama de casal.

— Eu durmo no chão — disse o garotão.

Ela insistiu para dormirem juntos.

— Imagino que assim como eu, você queira apenas dormir e descansar o corpo depois desse dia punk. — Só peço para não esbarrar em mim, pois além de ferida, estou toda dolorida.

Ele demorou a dormir, os pensamentos fluíam a milhão em sua cabeça e ainda tinha aquele corpo sedutor de odor tão agradável a centímetros dele e mexendo com sua libido.


Acidente Abafado


O empresário, por intermédio dos seus contatos, não deixou o assunto do carro acidentado ser divulgado na íntegra, entrou para as estatísticas como mais um acidente nas estradas brasileiras. Os corpos completamente carbonizados não foram identificados, nem o proprietário do carro. Os restos da lataria foram jogados no fundo de uma represa e os corpos enterrados como indigentes.

Não tinham pistas do paradeiro da garota golpista ou do motoqueiro, a única certeza era a de que eles não poderiam continuar vivos por muito mais tempo.


Continua…



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