segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Parte 4 – Curva da Morte

Apesar do céu nublado e de uma chuvinha tipo garoa, ainda assim a luz do dia castigou meus olhos quando saí do cárcere onde fui vítima de uma barbárie covarde. Não conhecia o local, era alguma chácara distante de tudo. Minha visão foi prejudicada devido aos hematomas em meu rosto, sentia dores em meu corpo inteiro, principalmente na região lombar. Fui jogada no banco traseiro do veículo por um dos três brutamontes, não consegui achar de imediato uma posição menos dolorida para sentar, isso deixou o cara irritado e deu-me um tapão na cabeça.

— Senta logo aí e vê se pára de frescura, porra!

Segurei o choro, precisava ser forte para sair com vida da situação de terror.

No percurso para a casa do Maciel, os três capangas conversaram abertamente sobre recuperarem a todo custo um milhão de dólares que estava no porta-malas do Audi do patrão. A grana precisaria ser entregue a um político naquela noite. "Estou fodida", pensei, a coisa era grande e, se não havia preocupação por parte deles em falar abertamente na minha presença, é porque me matariam após encontrarem o meu parceiro de golpes.

Minha preocupação aumentava a cada quilômetro rodado, mas não conseguia pensar em uma alternativa de escapar e sobreviver.

Entramos em um trecho sinuoso da estrada, pensei em algo desesperador e contaria com muita sorte para obter sucesso. Em uma curva mais fechada o motorista reduziu consideravelmente a velocidade, agi de impulso ao puxar a trava, abri a porta e sem hesitar impulsionei meu corpo com a intenção de cair rolando. Se ainda permanecesse inteira, tentaria escapar deles entrando mata adentro; a vegetação era densa de ambos os lados da rodovia.

Todavia, não fui ágil o suficiente, o cara ao meu lado impediu minha queda agarrando em minha cintura. Como uma leoa girei o tronco e meti as unhas das duas mãos em seu rosto, ele afrouxou a pressão das mãos, mas o outro passageiro da frente agarrou em meus cabelos.

— Vou quebrar o pescoço dessa puta — ele vociferou.

Joguei o braço com a mão fechada tentando acertar sua cara… Acertei o motorista. Ele ficou irado, virou falando palavrões e deu um murro na minha cabeça. No entanto, o impacto que senti superou a força de um soco e o mundo pareceu rodar. Só me dei conta do carro estar rolando no asfalto após o segundo giro. O veículo havia se desgovernado durante a luta em minha tentativa de fuga e foi atingido por um caminhão vindo em sentido contrário. O impacto fez nosso carro capotar algumas vezes, fiquei sem ação sendo jogada de um lado para o outro dentro do veículo e por um instante tudo ficou como em câmera lenta: cacos de vidro brilhantes, fios de sangue, rostos deformados. Tudo girava lentamente ao meu redor, quase parado. Pensei que minha vida chegaria ao fim.

O carro parou de rolar, a sensação de câmera lenta havia passado. Fiquei em uma posição desconfortável com meu corpo enrolado como se fosse uma contorcionista. O mundo parecia ter virado ao contrário; era minha impressão por estar no teto do veículo parado de rodas para cima. Agradeci aos céus por continuar viva. O motorista e o passageiro da frente não tiveram a mesma sorte. Pelo visto, morreram de imediato após o impacto, pois dava para ver os miolos no crânio aberto de um. O outro com a cabeça quase decepada pelo volante enterrado em seu pescoço. O cara ao meu lado tinha a cabeça banhada em sangue. Desacordado ele respirava com dificuldade. 

Reuni todas as minhas forças para tentar sair. Não consegui pelo meu lado, a lataria estava deformada e a porta presa. Fui me arrastando por cima do brutamonte ensanguentado, seu lado foi atingido pela pancada e o vidro da janela quebrou.

Com meu tronco para fora do veículo, senti o cheiro mais forte de gasolina e vi uma poça de combustível no asfalto bem abaixo de mim, e aumentava rapidamente conforme escorria do tanque. O líquido inflamável se dirigia lentamente em direção à frente do carro. Fiquei apavorada com a possibilidade de um incêndio quando atingisse o motor quente, a explosão seria iminente.

Suportei as dores agilizando a minha saída daquela bomba relógio... Gelei ao sentir duas mãos em minha perna, o cara por debaixo de mim acordou e segurou meu tornozelo. Minha primeira reação foi de pavor, contudo, não senti firmeza no homem, parecia debilitado. Com fúria e instinto de sobrevivência, chutei seguidamente a cara daquele cretino com a sola do meu outro pé. Consegui safar-me dele e impeli meu corpo para fora.

A gasolina estava a poucos centímetros de tocar a fiação do farol espatifado no asfalto. Não consegui ficar em pé devido ao meu estado crítico, então fui engatinhando sobre a pista molhada pela garoa, na tentativa de me afastar o suficiente para não ser atingida em caso de explosão. Visualizei um caminhão atravessado do lado oposto com a frente toda danificada. Não notei a presença do motorista, ainda assim continuei em sua direção, necessitava de ajuda para sair daquele inferno. De repente ouvi uma freada brusca e só então percebi uma moto chegando rápido e parando com a roda quase em cima de mim. O piloto tirou o capacete e ia me xingar, mas ao ver meus ferimentos mudou a expressão para assustado e compaixão. Ofereceu ajuda.

— Consegue ficar em pé? Precisamos sair do meio da pista.

Era um rapaz de aparência latina com cara de adolescente. Implorei por ajuda:

— Me tira daqui, pelo amor de Deus!

Alertei sobre o perigo de explosão e sobre os caras do carro:

— Eles são perigosos e estão armados.

Apoiando em seu braço eu consegui subir na moto no mesmo instante das primeiras chamas surgirem.

— Vai explodir!! — consegui gritar.

O rapaz saiu no gás. Ainda sentimos o impacto da explosão fazendo a moto ziguezaguear ligeiramente. Olhei para trás e só vi a bola de fogo.

Foi prazeroso mostrar meu dedo mau em direção ao carro e gritar em pensamento: "CHUUUUPA!! SEUS FILHOS DA PUTA!"


Durante o trajeto, com dificuldade em falar e em manter-me segura na garupa da moto, eu respondi à sua pergunta sobre o ocorrido comigo. Menti que conheci um cara em um bar e pegaria uma carona, mas dois bandidos nos renderam quando entramos no carro estacionado na rua. Os marginais nos levaram. Fomos agredidos e ameaçados de morte o tempo todo. Aconteceu uma batida com outro veículo e o carro capotou.

— Quando eu consegui sair tentando me afastar, você chegou.

Interrompi minha narrativa ao ver um hipermercado logo à frente. Pedi para o motoqueiro me deixar na entrada, procuraria ajuda. Falei que era melhor ele ir embora para não se envolver, ele também achou melhor assim. Consegui ficar em pé, a tontura após o impacto e capotagem do veículo diminuíram com a perspectiva de liberdade. Notei seu olhar fixo em meus seios, tentei cobrir os mamilos com o resto da minha blusa. Deveria estar com uma aparência horrível, toda ferida, roupas imundas, rasgadas e mal cobriam minhas partes íntimas. O gatinho pardo tirou sua jaqueta de couro e jogou sobre a moto, depois tirou a camiseta e me ofereceu.

— Pega! É a minha favorita. Cuida bem dela!

Deduzi que a roupa lhe faria falta, mas não recusei, minha quase nudez, somada aos ferimentos, atrairia atenção excessiva. Agradeci a oferta e tirei sob os olhares do garoto, o trapo sujo de sangue que cobria o meu tronco e vesti sua camiseta. Agradeci a ajuda e saí caminhando lentamente em direção ao hipermercado.

— Ei! Qual é o seu nome?

— Angelina — respondi de improviso — e você?

— Pedro Miguel.

Ele se foi com a moto e eu continuei devagar e cambaleando em direção a um táxi.

Minha ideia era ir direto para casa, pegar umas roupas, meu dinheiro, documentos e sumir da cidade sem deixar rastros. Porém, a sede de vingança contra os que me traíram e me torturaram era absurda. Dificilmente ouviria o meu lado racional pedindo para eu esquecer essa turma do mal e sumir para sempre. Eles botaram sangue nos meus olhos, pretendia ficar distante somente o tempo suficiente para cuidar dos meus ferimentos. Em meu íntimo eu queria o sangue de todos os escrotos sobreviventes.

— Eles não perdem por esperar, me aguardem!


Continua…



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